sábado, janeiro 20, 2007

Sobre os defeitos de fabricação

Um prefácio penitente para a segunda edição da tiragem original.

Nós, isto é, o autor que nunca escrevera um livro antes, a editora, na verdade uma jurista e em segundo plano impressora de livros, que nunca ainda havia editado um, e finalmente o revisor, homem muito ocupado, mas entre nós três o único profissional, decidimos em uma agradável noite em que discutíamos sobre os bons e os maus livros de animais, fabricar este livrinho. Estamos orgulhosos do nosso produto, mas não queremos ocultar que é falho em alguns pontos.

Como exemplo temos logo o título: Ele Falava com as Bestas, as Aves e os Peixes. Pelo jeito pode ser mal entendido, pois um leitor escreveu-me ter recebido o livro como presente de Natal e quase o relegou porque não conseguia entender em que categoria dos titulandos deveria enquadrar-se.

Depois o problema com o título do terceiro capítulo, "Três vilões no aquário": quem recontar verificará que são somente dois, o coleóptero do gênero Dytiscus e a larva da libélula. O terceiro depredador, o lúcio, foi eliminado pelo revisor porque era comprido demais (o lúcio e não o revisor). Ele porém não alterou o título, ficando assim um depredador a menos. Eu havia pressentido conseqüências terríveis, mas para sorte minha somente um leitor notou o equívoco: um sábio muito conhecido pela sua meticulosidade.

Ainda há também aquela lamentável história do hamster dourado, que se pode deixar livre à vontade no quarto porque – segundo o livro – não rói e não é trepador. Já pressentia algo de ruim ao descobrir, logo após a primeira edição do nosso livrinho, um ninho de hamster no alto de um armário estilo Maria Teresa, dentro de um arquivo de cartas. Um velho e gordo hamster havia descoberto que o papel seria um ótimo material para o seu ninho, e desenvolveu uma maravilhosa técnica de escalada tipo chaminé, com a qual podia subir entre o armário e a parede. Ele tinha roído nos maços de cartas uma espécie de esfera oca usando o papel picado para arrumar agradavelmente o seu ninho. Das cartas que se encontravam no centro do maço, restava somente uma espécie de moldura; mais para as extremidades os círculos iam diminuindo – numa curva que não é privilégio de geômetras – e somente as primeiras e as últimas cartas ficaram intactas. Por isso, cartas de meus queridos leitores, que após honrosas expressões sobre o valor do livro levam ao capítulo do hamster dourado, eu as coloco, em princípio, de lado: já sei o que virá. Eu mesmo desterrei os hamster dourados novamente às suas gaiolas, não por causa do arquivo – outra coisa nunca comeram antes – mas por causa do camundongo do deserto que morava há algum tempo em meu quarto e que correria perigo. Infelizmente por ocasião da última "faxina", minha mulher achou no ninho desse roedor restos de lã azul e vermelha do tapete (do grande tapete persa com manchas originalmente verde-escuras, agora amareladas; compare p. 19), grave prova de crime. Assim,ou o tapete ou o rato terá de abandonar o meu quarto. Ainda não me decidi qual dos dois.

Finalmente, nesses últimos dias andei me aborrecendo tanto com aquários, que o título do segundo capítulo "Algo que não faz estrago – o aquário" parece-me irritante. Outro dia, no silêncio da noite, partiu-se o vidro de um aquário de 100 litros alagando o quarto, e antes de ontem deixaram de funcionar ao mesmo tempo três bombas de arejamento. Até ao menos conseguir o conserto de uma delas, enfrentei uma aposta de sete horas entre a luta das bombas e a vida de inúmeros jovens clicídeos (Etroplus maculatus). Neste livro se encontram várias advertências claras de que não se deve aglomerar muitos peixes em um aquário, pelo menos nunca em número superior que corresponda ao equilíbrio biológico do aquário. Bem, no tal aquário encontravam-se aproximadamente uns trezentos Eletroplus de 2 a 3 cm de comprimento. No máximo deveria ter posto uns trinta. Assim o trabalho de conserto das bombas poderia ser comparado ao de um cirurgião em luta com uma artéria sangrando mas invisível.

Amanhã mesmo, eu juro, os duzentos e setenta Eletroplus a mais serão entregues às várias lojas de peixes decorativos de Viena.

Após todas essas experiências fiquei tão aborrecido com os títulos dos capítulos, que adquiri dois tentilhões só porque o oitavo capítulo se intitula "Não se arrume nenhum tentilhão". São dois lindos filhotes criados por minha colaboradora, a Dra. Use Prechtl-Gilles,para trabalhar na pesquisa das reações com que os jovens pássaros pedem comida. Por enquanto os passarinhos são encantadoramente mansos. Isso para consolo de meus leitores amigos de pássaros, que me enviaram cartas em defesa dos tentilhões.

Apesar de tudo, tudo o que está no livro é verdade – ainda que relativa. É só tentar uma vez manter solto num quarto um esquilo, para que os hamster dourados nos pareçam completamente inofensivos, aquários só muito raramente trazem aborrecimentos e prejuízos, e os tentiIhões, seguramente, não permanecerão tão mansos e encantadores como o são hoje. Portanto, deixemos tudo, justamente, como na primeira edição. *

* Fora a numeração dos vilões (nota do revisor).