sábado, janeiro 20, 2007

Prefácio

O que realizei na ira
crescia com primor
da noite para o dia – mas murchava
O que semeei do amor
sempre brotava,
amadurecia tarde – mas é abençoado.

Peter Rosegger


Para poder escrever histórias de animais, é preciso possuir um sentimento verdadeiro e quente pela criatura viva. Compete-me dizer que eu sou assim; mas, os belos versos de Rosegger não me ocorreram por ter este meu livro nascido do meu amor ao animal vivo, mas do ódio dos livros sobre animais. Pois tenho de confessar que se alguma vez produzi algo com raiva na vida foram estas histórias de animais.

Ira de quê? Das inúmeras, ruins e mentirosas histórias sobre animais que hoje se encontram em todas as livrarias; raiva desses escritorezinhos que dizem escrever sobre animais sem nem ao menos conhecê-los. Quem afirma que uma abelha corta a garganta da outra e grita, que lúcios se atracam pelas goelas, demonstra não ter noção do animal que tanto pretende descrever do seu ponto de vista e de seu amor. Se bastassem somente algumas informações das respectivas associações criadoras para se redigir um livro, então pessoas como o velho Heck, Bengt Berg, Paul Eipper, Ernest Seton Thompson ou Waescha Kwonnesin seriam loucos ao dedicarem toda a vida ao estudo dos animais. Não se pode medir quanto erro foi transmitido aos leitores, principalmente aos jovens, por essas histórias irresponsáveis.

Não se discute que falsificações são legítimas liberdades da criação artística. Certo, à poesia é permitido, como com qualquer outro objeto, "estilizar" o animal, conforme a necessidade da composição poética: os lobos, panteras e o inigualável Rikkitikkitavi (Mungos mungo) de Rudyard Kipling falam como homens, a abelha Maja de Waldemar Bonsel é formal e bem educada como uma pessoa.

Tais estilizações só são permitidas para quem conhece verdadeiramente o animal. O artista plástico também não é obrigado a apresentar seu objeto com uma precisão científica. Mas, ai dele, se não for capaz disso, e se só usa a estilização como pretexto de sua incapacidade.

Eu sou um naturalista e não um artista. Portanto não me permitirei liberdades nem estilizações. Além disso, não acho necessário tais liberdades, que basta como em trabalhos científicos manter-se nos fatos puros, quando se quer demonstrar ao leitor quão belo é o animal. Pois as verdades da natureza orgânica são de uma beleza plácida e imponente, e se tomam ainda mais belas quanto mais se penetra em seus detalhes e particularidades. É errado pensar que o realismo da pesquisa, o conhecimento das relações naturais diminuem o prazer que as maravilhas da natureza procuram. Muito pelo contrário: o homem será movido pela realidade da natureza mais profundamente, e por mais tempo, quanto mais ele a conhecer.

Não existe um bom biólogo que não tenha chegado à sua vocação através da satisfação interior pela beleza da criatura viva, e que os conhecimentos adquiridos dessa profissão não lhe tenham aprofundado a alegria na natureza e no trabalho. E, mais ainda que para qualquer outro ramo do estudo da vida, isso vale para a pesquisa, para a qual dediquei toda a vida; ou seja para o estudo do comportamento dos animais. Isto requer tanto uma intimidade imediata com o animal vivo como também uma paciência tão extraordinária do observador, que só o interesse teórico a respeito do animal não bastaria para conferir persistência ao observador se nele não houvesse o amor que sente e que agora também descobre, o mais próximo entre o comportamento do homem e do animal.

Mesmo assim espero que este meu livro afinal não se perderá, apesar de, como já confessei, ter sido elaborado na ira originada do amor.

KONRAD LORENZ

Altenberg, verão de 1949.