segunda-feira, janeiro 22, 2007

III - Dois vilões no aquário

Cruéis vilões habitam o mundo do charco. Diante de nossos olhos vemos a terrível luta pela sobrevivência.Se esvaziarmos em um aquário o conteúdo da nossa pesca com o coador, que não seria copiosa, teremos logo um ensaio dessa luta, pois provavelmente entre esses animais se encontrará a larva de um coleóptero d'água (Dytiscus). Em relação à proporção do tamanho da presa, à voracidade, o refinamento na arte de matar, carnívoros mal afamados como tigres, leões, lobos, tubarões e vespas venenosas desaparecem comparados a esses animais. São todos uns cordeiros perto dessa larva.

Ela é um inseto esbelto, alongado, de aproximadamente 6 cm de comprimento; os pêlos espessos em suas seis patas servem-lhe de remo, permitindo-lhe movimentos rápidos e seguros na água. Sua cabeça larga e achatada tem dois maxilares em forma de alicate, que servem de injetores de veneno de sugadores do alimento. Este animal fica sentado, quieto sobre uma planta aquática, na espreita; de repente, num impulso rápido se aproxima da presa, isto é, por baixo dela, levantando a cabeça como um raio, e prendendo a vítima com seu alicate. Para esse vilão, qualquer coisa que se movimente ou cheire como animal é uma "presa". Já me aconteceu algumas vezes ter sido agredido por uma larva dessas, ao encontrar-me quieto num charco; mesmo para o ser humano é muito dolorida a sua picada venenosa.

Essas larvas de coleópteros pertencem ao grupo dos poucos animais que fazem digestão "externa". A secreção glandular que injetam com os maxilares nas presas transforma todo o interior da vítima numa sopa, que é levada pelo mesmo canal até o estômago da larva. Mesmo presas maiores como a gorda larva de anfíbios e a larva da libélula, quando mordidas por uma larva de Dytiscus, enrijecem após alguns movimentos defensivos, e seu interior, transparente como na maioria dos animais aquáticos, fica turvo como se fosse fixado em formol, o animal parece inchar no princípio, mas murcha logo em seguida como um saco de pele, pendurado no alicate mortal, que logo depois a larga.

No estreito espaço de um aquário, essas larvas de Dytiscus devoram em alguns dias todos os seres vivos maiores que meio centímetro. E depois? Então se devoram mutuamente, se é que já não fizeram isso antes; na verdade não depende da força ou do tamanho, só de quem ataca primeiro. Já observei várias vezes duas larvas, aproximadamente do mesmo tamanho, atacarem-se e morrerem ambas na rapidez da dissolução de seus órgãos interiores. Mesmo na maior necessidade e no perigo de morrerem de inanição muito poucos são os animais que atacam os semelhantes a fim de come-los. Com certeza só sei disso entre os roedores Rattus norvegicus; duvido que lobos façam o mesmo, pois me baseio em fatos claros que relatarei depois. Essas larvas de Dytiscus, porém, devoram seus semelhantes mesmo quando há suficiente alimento. Que eu saiba, nenhum outro animal faz isso.

Um pouco menos brutal, mais elegante e bonita é a larva da libélula Aeschna, magnífico vilão com desenhos azuis e amarelos, também chamado "agulha-do-diabo". O inseto adulto é um voador fantástico, um falcão entre os insetos. Se entornarmos o que colhemos no charco numa bacia para lavar, a fim de separarmos os vilões mais terríveis, encontraremos uma larva linear que nos chamará a atenção pelo modo diferente de locomover-se. Elegantes, na maioria das vezes com desenhos verdes e amarelos, esses torpedos disparam rápidos e aos empurrões com as pernas compridas contra o corpo; no princípio fica-se em dúvida sobre com que é que se movimentam. Se as observarmos separadamente num recipiente raso, veremos que essas larvas são como foguetes. Da parte traseira de seu corpo sai um esguicho que movimenta o animal aos empurrões, mais rapidamente em frente. A última parte do intestino forma uma bolha oca, suficientemente provida de guelras de traquéia, servindo de um modo muito útil ao mesmo tempo para a respiração e a locomoção.

Essas larvas Aeschna nunca caçam nadando, elas são, ainda mais que as larvas de Dytiscus, caçadores de espreita: ao entrar no seu campo visual a presa fica fixada; bem devagar a larva vai virando o corpo e a cabeça na direção da presa, acompanhando-lhe os movimentos. Somente em alguns invertebrados pode-se observar esse fenômeno de fixar a cobaia. Ao contrário das larvas de coleópteros, as larvas Aeschna vêem também os movimentos lentos como o rastejar de um caramujo, que por isso são vítimas freqüentes da larva da libélula e só raramente das larvas de coleópteros. Devagar, muito devagar, passo a passo a larva vai-se aproximando da presa, ainda há uns três ou quatro centímetros de distância, de repente – o que houve? – ela está com a vítima entre as mandíbulas. Como não se tem câmara lenta nos olhos só deu para observar algo como uma língua comprida saindo da cabeça da larva em direção da presa, puxando-a para suas ávidas mandíbulas. Se já se observou um camaleão alimentando-se, lembraremos dos vários movimentos de sua grudenta língua. Só que o bumerangue da larva Aeschna não é uma língua, mas o lábio inferior, que se compõe de duas articulações e um alicate.

Pela capacidade de fixar a presa, as larvas da libélula nos parecem particularmente inteligentes; essa impressão aumenta se observarmos outras peculiaridades em seu comportamento. Ao contrário das ferozes larvas de Dytiscus, mesmo passando semanas de fome a larva da libélula não importuna animais acima de um determinado tamanho. Já mantive larvas de Aeschna durante meses numa bacia com peixes e nunca vi atacarem ou prejudicarem algum que fosse maior que elas. É impressionante como esses animais jamais avançam sobre uma presa apanhada por um de seus semelhantes mesmo se esta ainda se debate entre as mandíbulas do atacante. Mas quando eu colocava um pedaço de carne fresca diante de seus olhos, movimentando-a como se fosse uma presa de outro, elas pegavam logo.

Em meu grande aquário de percas sempre se desenvolvem algumas larvas de Aeschna, cuja evolução demora mais de um ano. Então num belo dia de verão ocorre o grande momento; a larva sobe pelo caule de uma planta e sai da água; ali fica sentada, quieta, por longo tempo, e então, como se descascasse, a pele externa das costas estoura, e o maravilhoso inseto, perfeito, devagar, se liberta do invólucro da larva. Depois ainda demora várias horas até que as asas alcançam o tamanho definitivo e endurecem; é um fenômeno maravilhoso a rapidez como o líquido enrijecedor é bombeado com intensa pressão nas hastes das artérias das asas. Então você abre a janela e deseja muita sorte e sucesso para seu hóspede de aquário.